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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018



“Longe vão os tempos em que o aluno problemático, indisciplinado e incumpridor que não queria estudar, era ignorado e só se dava atenção aos alunos interessados e corretos.
A escola mudou e tornou-se cada vez mais inclusiva apoiando e dando o máximo de atenção e apoios a esses casos complicados na tentativa de os motivar e recuperar.
Só que se tornou tão obsessivamente inclusiva que acabou por excluir; excluir os alunos cumpridores, os tais que não dão problemas.
Vivemos tempos em que o aluno “fácil”, disciplinado e cumpridor, que quer estudar, é ignorado e só se dá atenção aos alunos desinteressados e problemáticos.

Os alunos que são pequenos terroristas nas escolas são alvo de toda a tenção por parte de todos. Recebem todos os apoios, desde apoios individualizados, planos de acompanhamento, medidas de promoção do sucesso, acompanhamento individualizado, planos de integração e de recuperação, tutores, psicólogos e terapeutas de toda a ordem a paparicarem-nos, reuniões, conversas intermináveis, recomendações e aconselhamentos a toda a hora, equipas multidisciplinares e tudo mais um par de botas a amparar e a resolver um conjunto enorme de situações que partem quase sempre de algo tão simples como a falta de educação do aluno.
Estes alunos merecem TUDO e todo o tempo e recursos das escolas, menos aqueles que, por serem responsáveis e não fazerem mal a uma mosca, não têm direito a NADA.

O tempo e atenção que gastámos com estes alunos, não foi várias vezes superior àquele despendemos com os alunos que não importunaram?
Então, no caso dos diretores de turma, esses alunos – esponja absorveram o tempo na escola e fora dela a resolver as constantes situações que criaram.
O resultado é uma imensa mágoa pela forma desigual como ao longo do ano utilizámos o nosso tempo; demasiado tempo a resolver os casos desses alunos-problema, a preencher papéis, a solucionar problemas reincidentes, em reuniões e conversas, mas quase não tivemos tempo para dar uma palavra àquele aluno que era cumpridor, porque não nos deu trabalho.

No fim do ano letivo passado levei para casa uma lágrima no peito guardada quando vi aquele aluno fantasma que, sem qualquer ressentimento, se dirigiu a mim com enorme educação e me disse algumas palavras simples, triviais, mas tão bonitas por serem tão raras nos dias de hoje. Agradeceu o bom ano que tivera na escola perguntando ansioso se eu iria continuar a ser o seu diretor de turma. Não estava a engraxar o professor – não precisava, tinha excelentes notas.
Naquele momento em que tudo acabara, em que chegara ao fim o “inferno” do constante assédio feito pelos intermináveis casos dos alunos-problema que me esgotaram o espírito e o tempo, eis-me ali pela 1ª vez em todo o ano com tempo para trocar dois dedos decentes de conversa com aquele aluno de educação exemplar. Um aluno que também tinha problemas, anseios e sonhos que fez questão de partilhar comigo. Vendo-me tão carregado a levar a toda a minha “tralha”, uma vez mais não hesitou em perguntar se me poderia ajudar. Despediu-se desejando-me umas boas férias e foi-se embora sorridente por lhe ter disponibilizado aqueles frugais instantes de conversa.

Sem saber, aquele aluno acabara de me ajudar, mas não da maneira que ele julgava ter feito.
Eu, que julgara ter feito um bom trabalho e dado o melhor de mim a resolver os casos complicados num ano tão difícil e cansativo, fiquei ali rendido a olhar aquele ser maravilhoso que, em lugar de me cobrar a minha falta pela atenção que não lhe dei ao longo do ano, voltou a tratar-me com a grandeza e raridade de educação e respeito que todo e qualquer aluno deveria ter.
Aquele aluno ajudou-me, não a carregar a parafernália que eu trazia nas mãos, mas a ver, porque eu estava cego.

Apercebi-me que o ensino de hoje nivelou por baixo; nivelou-se pela mediocridade. É com os que não querem aprender nem querem saber, os que não cumprem nem querem respeitar, que nós somos obrigados a gastar os nossos dias (e noites), porque assim nos obrigam.

Vi-o a afastar-se no corredor e senti o enorme fracasso em que o ensino atual me transformou. Fracasso enquanto professor… fracasso enquanto ser humano.
Estive tão absorvido durante um ano inteiro com grande profissionalismo a cumprir o que manda o figurino, como um brilhante matemático absorvido a tentar responder a todas as solicitações problemáticas que os alunos mal-educados, desinteressados, conflituosos, gozões e desrespeitadores causaram, que não vi mais nada. Estive tão atento aos imensos problemas que vão inundando cada vez mais as escolas que acabei por ficar cego. Cego para aquele e tantos outros alunos cumpridores como ele.

Esta tal escola inclusiva não me deu tempo para estar mais tempo (tempo de qualidade) com os alunos interessados. Esses, os tais que não me deram trabalho, não cabem em nenhum programa, nenhum apoio, nenhum tempo, nenhum impresso ou documento, em suma, em nenhum lugar destinado a darmos-lhes a atenção merecida. Não, não há folha de Excel nem circular ou legislação onde eu possa encaixar aquele aluno e, assim, comprar o meu perdão.
O aluno foi-se embora não levando consigo estas palavras importantes que não lhe disse nem nunca lhe direi, pela falta de coragem de lhe pedir desculpa pelo tempo em que não estive presente para ele.

Regresso à sala, observo as mesas vazias e pela primeira vez vejo aquele menino –
fantasma que antes não vira.
Há demasiados fantasmas no meio das nossas aulas, bem debaixo dos nossos narizes, porque os grandes elefantes brancos da indisciplina, impossíveis de não ver, encheram as nossas salas e as nossas escolas ocupando todo o espaço da nossa atenção.
E neste contexto, os meninos que «não dão trabalho» foram ficando mais e mais transparentes até se tornarem em fantasmas invisíveis aos nossos olhos. Olhos que quando enxergam esses fantasmas enchem-nos o peito de angústia e revolta por aquilo em que a burocracia do nosso sistema de ensino nos transformou.

Se os remorsos matassem, eu teria morrido ali naquele instante vencido pelo sentimento de culpa e pela revolta e impotência que senti. Afinal, não foi para ser aquilo que eu optara em abraçar a tão nobre profissão de professor. Transformei-me na minha maior desilusão. Uma desilusão cada vez mais difícil de combater, porque o regime formatou-nos na sombra daquilo que em tempo nós fôramos.
Este nosso hipócrita sistema de ensino criado por tecnocratas sentados atrás de secretárias, que atirou para as escolas palavras pomposas como a “inclusão” enchendo os professores de burocracia, acabou por marginalizar os bons alunos gerando um mar de meninos-fantasma que já quase ninguém vê.
Como é politicamente incorreto falar destas mágoas que magoam, deixamo-nos ficar derrotados pela cegueira do conformismo em que nos acorrentaram.
Esta é uma das minhas maiores frustrações profissionais.😟” 

(Carlos Santos - FaceProf) — a sentir-se perdida em EB 23 LOUROS.